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Vinte e cinco

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Tudo começou com uma oportunidade. Veio de São José dos Ausentes, tentar a vida de designer gráfico. Gostava de fazer verdadeiras obras em locais acessíveis, como classes da escola, bancos de praça ou muros de terrenos abandonados. Os amigos o chamavam de Dezin, uma analogia juvenil pra palavra inglesa design. Pois bem, Dezin vendeu algumas coisas de casa e veio à Porto Alegre, tentar a vida. Nunca trabalhara com arte, propriamente dita; era apenas um hobbie. O lápis nunca foi seu ganha-pão, servia apenas pra riscar interminavelmente as classes do colégio municipal.

Já em Porto Alegre, as ofertas eram escassas. Um frila que outro, mal pagavam o macarrão instantâneo e o suco em pó empedrado. Dezin sequer tinha portifólio, apenas um caderno já com as espirais enferrujadas, a qual ele mais tarde começou a chamar de “pasta”. Outro caderno já abatido era o do mercado, no térreo do prédio. Seu Luis, dono da mercearia, titubeava para riscar aquele caderno, o famoso “pendura”.

– Olha aqui, moleque. Soube que você gosta de desenhar, é mesmo isso? To precisando fazer uns folder. É pra minha esposa, pra lojinha dela ali na São Cristóvão. Desenha um bem legal e manda pra ela, que a gente acerta aqui.

Dezin virou algumas noites fazendo o trabalho e ali encontrou uma maneira eficaz em sobreviver na cidade grande. Começou na mercearia, mais tarde entrou em contato com a distribuidora de gás. Redesenhou o mascote, em troca, recebia gás na porta do apartamento. Mais alguns jobs pra concessionária de luz, uns frilas pra firma de telcom…

O jovem de cabelos nitidamente ruivos não parava. Enfrentava uma rotina de trabalho intensa, algo em torno de 16 horas diárias. Subsistia com seu lápis mas, por sorte, conseguira comprar uma tabletdraw. Sua vida social se resumia em passar horas na penumbra do apartamento, desenhando.

Numa dessas noites quentes de primavera, um mal estar súbito. Conseguiu ainda fazer uma ligação pra um conhecido da zona e desmaiou ali, no meio da sala. Já acordado no hospital, a constatação: câncer pancreático. A quimioterapia e o tratamento lhe custariam os olhos da cara. Sua mãe veio pra Capital, mas sabia que nem o mais generoso dos empréstimos pagaria a remoção e o processo em geral. 

– Gostaria de conversar com o RP do hospital. – disse o moribundo.

Sugeriu então o óbvio: reformularia toda a sinalização gráfica da fachada do hospital, ali mesmo, na cama branca. Em troca, seu tratamento íntegro. Apresentou por cima o projeto, que envolvia um redesenho do logotipo, alguma coisa na redação e um frontlight escandaloso, onde até mesmo os hipocondríacos iriam se encantar. Só precisaria de um notebook com os pacotes instalados e de uma mesa de desenho.

Exatos cinco dias depois, o projeto estava finalizado. Nesse meio tempo, um contrato foi então redigido e Dezin assinou. Lá constava a isenção de qualquer taxa médica do tratamento. No dia seguinte, a comoção. O jovem ruivo não agüentou a cirurgia de remoção do cisto. Alguns médicos dizem que uma simples hemorragia interna foi o que causou tudo, finalizando a vida de Dezin.

Vinte e cinco por cento no primeiro mês. Esse foi o percentual crescente de internações, naquele hospital, após a reformulação da brand e da fachada.

Written by Cisco

agosto 12, 2011 at 9:01 pm

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